quinta-feira, 19 de julho de 2012

Perguntas frequentes sobre o Conservadorismo

Fonte: Pensadores Brasileiros
Traduzido do Conservatism FAQ


1) Princípios Gerais



1.1) O que distingue o conservadorismo como visão política?

O conservadorismo se distingue pela ênfase na tradição como fonte de grande sabedoria que vai além do que pode ser demonstrado ou declarado explicitamente.


1.2) Por que a tradição é uma fonte de maior sabedoria?

Porque é uma rede de crenças, práticas e comportamentos comumente aceitos que evoluíram através do fortalecimento das coisas que funcionam e da rejeição das coisas que não funcionam e levam ao conflito e ao fracasso.

Portanto, a tradição compreende uma coleção de hábitos que foram provados úteis e necessários em uma grande variedade de questões práticas, e é um ponto de vista abrangente e coerente que reflete pensamentos e experiências de longo prazo. Através da tradição, nós percebemos características fundamentais e sutis do mundo que de outra forma nos escapariam, e a nossa compreensão dessas coisas adquire uma forma concreta e utilizável.

A alternativa comum - oposta à tradição - é a confiança numa teoria. Levar em conta uma teoria de forma literal pode ser prejudicial porque a teoria busca a clareza por meio de uma simplificação. Essa simplificação consiste em ignorar coisas difíceis de serem articuladas em palavras e essas coisas podem ser importantes. O motivo pelo qual a política e a moral são aprendidas em grande parte através da experiência e da imitação é porque a maioria das coisas que precisamos saber consiste em hábitos, comportamentos e pressupostos implícitos que são difíceis de colocar em palavras. Não há outros meios além da tradição para acumular, conservar e transmitir tais coisas.

Além de sua própria sabedoria, outras considerações também evidenciam a vantagem de se apoiar na tradição. Por exemplo, a tradição existe tipicamente como uma propriedade comum da comunidade onde os membros foram criados. Por conseguinte, ela normalmente une mais do que divide, e é bem mais provável que facilite uma vida de liberdade e de cooperação do que uma teoria.


1.3) Qual a diferença entre seguir a tradição e se recusar a pensar?

Os conservadores não rejeitam o pensamento, mas são céticos quanto à sua autonomia. Eles acreditam que a tradição guia e corrige o pensamento, e portanto, o leva para mais próximo da verdade, e essa verdade não tem conexão especial com nenhum ponto de vista individual.

A verdade não está totalmente fora do alcance, mas o nosso acesso à ela é incompleto e muitas vezes indireto. Já que ela não pode ser totalmente reduzida à nossa posse, os conservadores estão dispostos a aceitá-la sob a forma que ela se disponibiliza para nós. Em particular, eles reconhecem a necessidade de confiar na verdade não-articulada que está implícita nas práticas e comportamentos. Hoje esse aspecto da nossa conexão com a verdade é subestimado, e os conservadores têm a esperança de pensar melhor e conhecer mais verdadeiramente ao enfatizar esse aspecto.


1.4) Não seria melhor raciocinar todas as coisas desde o começo?

O nosso conhecimento das coisas, como a política e a moralidade, é parcial e adquirido lentamente e com dificuldade. Nós não podemos avaliar um idéia política sem aceitar inúmeras crenças, comportamentos e pressupostos cujo montante torna impossível julgar criticamente. Os efeitos das propostas políticas são difíceis de prever e à medida que as propostas se tornam mais ambiciosas, seus efeitos se tornam impossíveis de calcular.

Por conseguinte, a abordagem mais razoável para a política é normalmente aceitar o sistema existente de sociedade como algo que não pode ser mudado totalmente e tentar assegurar que quaisquer mudanças sejam coerentes com os princípios e as práticas que fazem o sistema existente funcionar tão bem.


1.5) A tradição também não acumula ignorância, vícios e erros além da sabedoria?

Como a tradição é uma coisa humana, ela pode refletir os vícios humanos bem como as virtudes. A mesma coisa se sucede quando nos baseamos no pensamento autônomo. Desde o século passado, as teorias anti-tradicionais defendidas por pessoas que alegavam motivos nobres levaram repetidas vezes ao assassinato de milhões de inocentes.

Portanto, a questão não é se a tradição é perfeita, mas se ela ocupa um lugar apropriado na vida humana. Como o nosso objetivo mais consistente é ir em direção ao que é bom, e como erramos mais por ignorância, negligência e impulsos contraditórios do que por maldade, a tradição nos beneficia ao ligar nossos pensamentos e ações à um sistema contínuo e abrangente no qual um corrige o outro. A tradição assegura e refina as nossas conquistas ao mesmo tempo em que amortece os impulsos anti-sociais. Quanto aos males contínuos, a tradição pode não ajudar muito, mas as alternativas tampouco ajudam - só mesmo uma intervenção divina.


1.6) Há várias tradições em conflito. Como alguém poderia saber se uma tradição é a certa?

A certeza total é difícil. Há questões em que a nossa própria tradição (como o nosso próprio raciocínio) pode nos levar ao erro ao mesmo tempo em que outra tradição nos levaria ao acerto. Contudo, tal preocupação não justifica rejeitar a nossa própria tradição a menos que tenhamos um método que a transcenda para determinar quando ela está em erro, e, na maioria das situações, nós não temos um método. Se a experiência nos conduz a um erro, é bem provável que outra experiência nos conduza ao acerto. O mesmo vale para a tradição, que é uma experiência social.

Colocando de lado a questão da verdade, as várias partes de uma tradição particular são ajustadas umas às outras de uma maneira que torna difícil abandonar uma parte e substituir com uma outra parte de outra tradição. Um cozinheiro francês terá dificuldade se tiver que usar ingredientes e utensílios chineses. Questões de coerência e praticidade fazem com que seja melhor desenvolver a tradição à qual se está acostumado do que tentar adotar partes de uma tradição diferente.


1.7) Mas e a verdade não existe?

A maioria dos conservadores acreditam na existência da verdade objetiva e abrangente, mas não sob a forma de um conjunto de proposições com um único significado demonstrável e acessível para todos. O mundo é muito grande para nós o capturarmos por inteiro e de uma maneira clara e sistemática. Nós apreendemos a verdade em grande parte pela tradição e de uma maneira que não pode ser totalmente articulada em palavras. Mesmo que algumas verdades possam ser conhecidas com precisão através da revelação ou do raciocínio, a aceitação social e sua interpretação e aplicação vão depender da tradição.


1.8) Há tradições conflitantes até mesmo em uma mesma sociedade. Qual delas devemos tratar como "nossa tradição"?

Essa questão é menos séria do que parece, já que não pode ser discutida sem assumir um discurso em comum, e portanto, a autoridade de uma tradição.

Toda coletividade que delibera e age tem uma tradição - um conjunto de hábitos, comportamentos, crenças e memórias em comum e bastante coerente ao longo do tempo - que a permite atuar e deliberar. Uma sociedade consiste daqueles que, pelo menos em geral, aceitam a autoridade de uma tradição em comum. "Nossa" tradição é portanto a tradição que guiou e motivou a ação coletiva da sociedade à qual pertencemos e prestamos nossa lealdade, e dentro da qual a discussão relevante prossegue.

É válido notar que nenhuma sociedade é perfeitamente unida; cada uma tem elites e sociedades subordinadas com suas próprias tradições e esferas de ação. Uma sociedade também pode abrigar grupos estranhos, dissidentes e criminosos. Uns grupos são tratados como sociedades subordinadas que legitimamente pertencem à sociedade maior e outros grupos são tratados como estranhos, criminosos ou opressores estrangeiros - isso é determinado pelas tradições que definem a sociedade como um todo e a torna o que é.

2) Tradição e Mudança


2.1) A sociedade sempre muda, para melhor em alguns aspectos e para pior em outros. Por que não aceitar a mudança, especialmente quando tudo é tão complicado e difícil de compreender?

As mudanças sempre envolvem resistência bem como aceitação. Aquelas que tiverem que enfrentar oposição serão melhores do que aquelas que foram aceitas sem questionamento sério.

Adicionalmente, o conservadorismo não é a rejeição de toda a mudança como tal, mas apenas de mudanças intencionais do tipo abrangente, características do período que começou na Revolução Francêsa e foi guiada pelas filosofias do Iluminismo e do pós-Iluminismo, tais como o Liberalismo e Marxismo. É o reconhecimento de que o mundo não é criação nossa e de que há coisas permanentes que devemos simplesmente aceitar.

Por exemplo, a família é uma instituição que mudou de tempos em tempos em conjunção com outras mudanças sociais. Contudo, a exigência atual dos esquerdistas/liberais de que toda estrutura institucional familiar seja abolida como violação da autonomia individual (tipicamente articulada em expressões como eliminação dos papéis de gênero sexual e heterossexismo e proteção dos direitos da criança) é diferente de tudo que já ocorreu no passado, e os conservadores acreditam que isso deve ser combatido.


2.2) O Conservadorismo não é simplesmente um outro jeito de dizer que as pessoas que possuem riqueza e poder devem continuar a possuí-los?

Toda visão política promove a vantagem particular de algumas pessoas. Se as visões políticas têm de ser tratadas como racionalizações para os interesses de elites futuras ou existentes, então o mesmo tratamento deve ser aplicado igualmente à todas as outras visões também. Por outro lado, se é para levar à sério os argumentos que uma determinada visão política propõe para o bem comum, então os argumentos do conservadorismo devem ser avaliados por seus próprios méritos.

É importante notar que o liberalismo contemporâneo avança os interesses das classes sociais mais poderosas que o defendem, e que os movimentos pela justiça social tipicamente se tornam intensamente elitistas pois quanto mais abstrato e abrangente um princípio político, menor será o grupo capaz de compreendê-lo e o aplicá-lo corretamente.


2.3) Se os conservadores continuassem no poder, não teríamos escravidão ainda?

A experiência sugere o contrário. A escravidão desapareceu no Ocidente e na Europa Central há muito tempo atrás sem necessidade de tentativas de reconstrução social. Ela durou muito mais nas sociedades fundadas pelos europeus nas Américas, que eram sociedades novas e menos conservadoras.

Ao mesmo tempo, o conservadorismo como tal não garante que não haja opressão, mas nem tampouco as tentativas de pensamento racional autônomo o garantem. Foi em regimes radicais, e não nos regimes conservadores, que o trabalho forçado brutal e outras formas de opressão hedionda voltaram a acontecer em tempos recentes. Isso não é nenhum paradoxo. O radicalismo, bem mais do que o conservadorismo, é compatível com as instituições tirânicas pois ao supervalorizar o papel da teoria na política o radicalismo destrói a acomodação mútua e recíproca entre governantes e governados.

Adicionalmente, o conservadorismo não é fechado; seu reconhecimento da prática existente como um padrão não significa negação de que haja outros padrões. Ele reconhece que hábitos morais evoluem com a experiência e a mudança de circunstâncias, que os arranjos sociais que entram em conflito com os sentimentos morais de um povo ou mudam, ou desaparecem, e que há padrões transcedentes bem como aqueles que existem como parte das instituições de um povo em particular. O conservadorismo reconhece que pode haver melhorias bem como pioras.

O conservadorismo não surgiu de um desejo de congelar tudo exatamente do jeito que era num momento, mas surgiu do reconhecimento da necessidade de continuidade, da dificuldade em forçar a sociedade a um padrão pré-concebido, e da importância de coisas como a obrigação pessoal mútua e os padrões de certo e errado que não são redutíveis ao poder e ao desejo, que são problemas das ideologias de esquerda. Essas constatações tornam os conservadores mais confiáveis na oposição à tirania do que os progressistas.